Conectando cartórios e resgatando a memória nacional
O Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN), integrante do Operador Nacional do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (ONSERP), está desempenhando um papel fundamental na reparação histórica dos brasileiros mortos ou desaparecidos durante a Ditadura Militar (1964-1985). Responsável por conectar os mais de 7.600 Cartórios de Registro Civil do país, o ON-RCPN coordena a retificação e a emissão de certidões de óbito dessas vítimas, garantindo o reconhecimento oficial das circunstâncias de suas mortes e contribuindo para a preservação da memória nacional.
Regulamentada pela Resolução nº 601 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a iniciativa começou com um levantamento detalhado dos 434 nomes listados no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Foi identificado que 202 dessas pessoas já possuíam registros de óbito, enquanto 232 não tinham qualquer documento formalizando seu falecimento, devido à ausência dos corpos. Diante disso, o ONRCPN coordenou a regularização desses registros, orientando os cartórios sobre as alterações necessárias.
Nos casos em que as certidões já existiam, a correção incluiu a atualização da causa da morte, agora registrada como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964”. Para aqueles que não tinham registro, o ONRCPN encaminhou os pedidos aos cartórios correspondentes, considerando o local do desaparecimento ou o domicílio da vítima. Quando essas informações não estavam disponíveis, o cartório responsável pelo nascimento da pessoa desaparecida foi acionado para proceder com o registro.
O impacto desse trabalho ganhou grande repercussão nacional e internacional, especialmente com a retificação da certidão de óbito do ex-deputado federal Rubens Paiva. Desaparecido em 1971, Paiva teve seu óbito oficialmente reconhecido como decorrente de violência estatal, mais de 50 anos após sua morte. A correção do documento foi amplamente noticiada, incluindo a cobertura do Jornal Nacional e de mais de 500 veículos de comunicação. O caso ganhou ainda mais destaque com o lançamento do filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e indicado ao Oscar, trazendo a história de Paiva ao cenário mundial.
Além de atuar na retificação dos registros, o ONRCPN viabiliza o envio eletrônico das certidões corrigidas à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). O órgão também coordena a entrega desses documentos às famílias em cerimônias solenes ou, quando necessário, encaminha as certidões para museus e espaços de memória. Dessa forma, o trabalho do ONRCPN não apenas resgata a dignidade das vítimas e de seus familiares, mas também contribui para a construção de um país que reconhece seu passado e fortalece os princípios democráticos.